Há uma queda de braço ainda silenciosa no setor de energia pela realização de um leilão de usinas térmicas no Nordeste. Políticos da região, em especial de Pernambuco, e empresas do setor de óleo e gás têm elevado a pressão pela realização do leilão que, caso ocorra, pode acrescentar mais R$ 1 bilhão à conta de luz do país.
Pelas discussões em curso, se propõe a construção de uma ou de várias térmicas com capacidade para gerar entre 1.500 e 2.500 MW.
Para isso, seria preciso fazer o chamado leilão de reserva: tipo de certame em que o governo compra a energia que será gerada para viabilizar o empreendimento e repassa os custos para a conta de luz de todos os consumidores -famílias e empresas.
Esses custos são estimados, por baixo, em R$ 1 bilhão.
Não há, porém, consenso técnico sobre a necessidade dessa energia. O último leilão de reserva, marcado para dezembro de 2016, foi suspenso por ter sido considerado desnecessário. Com a economia se arrastando, o consumo de lá para cá não cresceu nem 2%.
No entanto, há pressa para que se tome uma decisão. O leilão, para ocorrer ainda neste ano, depende de uma série de trâmites que teriam de ser concluídos em agosto.
A discussão avança no MME (Ministério das Minas e Energia). Nesta quinta-feira (26), a Comissão Especial de Leilões da pasta se reuniu para tratar do tema. Não houve conclusão e novo encontro vai ocorrer na semana que vem.
No ONS (Operadora Nacional do Sistema), responsável pela gestão da energia, há até uma celeuma. Segundo a reportagem apurou, a área de Planejamento produziu um levantamento defendendo o leilão. Mas a leitura da situação não é compartilhada por outras áreas, inclusive pela diretoria geral, onde o entendimento é que não há argumento técnico sustentável na questão.
Os defensores argumentam que há risco de desabastecimento por causa da prolongada seca no Nordeste.
Reforçam a tese dizendo que o Brasil, por suas dimensões continentais, precisa investir na autossuficiência regional.
O argumento já foi defendido em entrevista por Reive Barros, presidente da EPE, o órgão público responsável pelos estudos que embasam a construção de novas usinas.
Para Joísa Dutra, diretora do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da FGV, as térmicas serão necessárias para dar segurança energética em meio à crescente participação de energias renováveis, como eólica e solar.
As usinas entrariam, por exemplo, quando os ventos ou a irradiação solar estiverem em baixa. A economista, porém, afirma que o leilão de reserva, com maior alta ao consumidor, não é o mecanismo ideal para a contratação.
Outro defensor da proposta é Adriano Pires, sócio do CBIE (Centro Brasileiro de Infra Estrutura). Ele argumenta que as sobras de energia atuais são superestimadas e que, se o país voltar a crescer, haverá um apagão.
"Muitas hidrelétricas na prática geram menos do que o registrado. A sobra não é tão grande assim", afirma.A Abraget, que representa os geradores térmicos, diz ainda que o leilão é necessário para evitar um possível racionamento no país, segundo o presidente, Xisto Vieira Filho.
Os opositores, por sua vez, alegam que, por causa da crise econômica que se arrasta, o consumo caiu, há sobra de energia e nenhum horizonte de risco de desabastecimento que justifique um leilão.
Além do mais, com a crise, o momento não de aumento de gastos. A conta luz precisa ser reduzida, não ganhar um custo a mais.
Esse impacto ainda não foi dimensionado pela Abrace (associação de grandes consumidores de energia), que considera a eventual realização do leilão um retrocesso.
A principal crítica da entidade é à decisão de fazer a contratação por meio de um leilão de reserva, afirma o presidente da entidade, Edvaldo Santana. "É um contrato sem risco para o empreendedor, o ônus fica com o consumidor."
O argumento da autossuficiência regional é o mais questionado: o Brasil chegou a se tornar exemplo internacional por ter um sistema interligado e não faria o menor sentido fazer em regionalização a esta altura.
A ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) afirmou, em nota, que estudos preliminares sobre o tema ainda estão em produção. A análise, segundo o órgão, está contabilizando o custo e identificando possíveis locais para novas usinas térmicas no Nordeste. A reportagem procurou a EPE, mas não teve retorno até a publicação deste texto. Com informações da Folhapress
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